Números e percentuais frios dão a dimensão da tragédia prestes a se abater sobre a humanidade e criam um cenário pessimista para o encontro do G-20, que se realiza esta semana, em Londres. Para citar apenas alguns deles, previsões da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam uma queda este ano de 4,6% do crescimento nos 30 países que a integram, e de 2,7% em todo o mundo. O comércio global, aponta a OCDE, cairá mais de 13% e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que 50 milhões de trabalhadores ficarão desempregados em todo o planeta.
Enquanto isso, nos Estados Unidos e na Europa vão se esgotando os instrumentos monetários e fiscais. Os juros estão negativos. Os Estados Unidos já utilizaram recursos equivalentes a 29% de seu PIB e a União Européia (UE), a 23% , tudo para evitar uma paralisia geral na economia global.
Caem o comércio mundial e os preços. Caminhamos para uma deflação com capacidade ociosa industrial, o que na prática anula os efeitos inflacionários dos pacotes fiscais e dos juros baixos em todo o mundo. As conseqüências sociais e políticas da quebra do sistema financeiro nos EUA e no velho continente serão de longa duração. A curto prazo a crise de liquidez se transformou em insolvência e em crise econômica. Na Europa particularmente, com a chegada da primavera e das manifestações, greves e protestos, ela provocou mudanças de governos com antecipação de eleições em muitos países.
Os países que não produzem petróleo (apesar da queda de seu preço) e importam alimentos – portanto, dependentes das exportações – ou aqueles cujos sistemas financeiros e habitacionais estavam alavancados ou contaminados pelas hipotecas podres (agora chamados de “ativos pobres”) pagarão um alto preço pela depressão da economia mundial.
Daí a importância dessa reunião do G-20 em Londres, com a participação das nações desenvolvidas e dos países emergentes que procuram nela conformar uma nova ordem mundial, começando pela superação do G-8 e pela necessidade de tomar medidas que evitem a repetição da crise, regulem, de fato, o sistema financeiro, e reformem as instituições internacionais.
É preciso reformar o sistema financeiro mundial e submetê-lo a uma regulação e supervisão internacionais e a oposição de Washington a isso não pode e não deve ser aceita, já que os efeitos da crise financeira não se detêm nas fronteiras de nenhum pais.
Sobre a regulação e supervisão financeiras, o que se espera é o seu inicio. E, apesar de que não haja acordo entre os EUA e a UE em torno das propostas do financiamento em nível mundial, faz-se necessário superar a posição americana (a opção por soluções em nível de cada país). Portanto, é necessário consolidar como organismos de atuação em nível mundial o Comitê de Basiléia para Supervisão Bancária (que o Brasil integra) e o Fórum de Estabilidade Financeira.
São necessários recursos para estimular o comércio e retomar o fluxo de capitais, os empréstimos aos países emergentes e o financiamento das exportações, aumentando os recursos do FMI em US$ 100 bilhões para o comércio mundial e em até US$ 750 bilhões de dólares para empréstimos.
Se queremos evitar uma depressão e superar as causas que levaram à atual crise, não basta ampliar o centro de decisão e de governança do mundo com a entrada de novos países, como aconteceu com o surgimento do G-20. É preciso mudar a política internacional, reformando suas instituições, aceitando a regulação e a supervisão internacionais, destinando recursos para financiar o comércio e as economias emergentes e pondo um fim ao protecionismo dos países desenvolvidos.
Ao mesmo tempo a questão ambiental e do etanol é uma agenda que, mesmo na crise, não pode cair no esquecimento. Pelo contrário, os investimentos em energia limpa, verde, são, podem e devem ser uma saída para crise e uma alternativa energética sustentável.
O momento é de tomar decisões e não apenas de declarações políticas e reafirmações doutrinárias. O que se espera dos países reunidos em Londres são medidas imediatas. Ninguém em sã consciência está cobrando dessa reunião uma reestruturação da ordem econômica, mas medidas concretas para reativar a economia mundial e evitar uma recessão devastadora. O ideal seria ampliar os gastos definidos em um US$ 1 trilhão.
Por fim, que decidam mesmo por mais recursos para os países pobres – os tão falados US$ 750 bilhões e pelo menos os US$ 100 bilhões de dólares para o comércio internacional, via FMI com o inicio de sua reforma. São medidas que, se não refundam uma nova ordem internacional, dão início a uma reversão dos riscos de uma depressão e de suas conseqüências – as principais e piores, mais pobreza e desemprego no mundo. Essa reunião do G-20 é uma oportunidade que não pode ser perdida.
José Dirceu é ex-ministro-chefe da Casa Civil do Governo Federal.